OLIVAIS: ONDE O AZEITE DE QUALIDADE COMEÇA

“Há muitas variedades de oliveira. Cada uma produz um azeite com características sensoriais diferentes. Ele pode ser feito com uma única variedade (um azeite varietal) ou com um conjunto delas (uma seleção ou “blend”). O azeite que cada um escolhe em sua loja preferida – pelo gosto, pelo aroma, pelo prato que vai preparar – começa a ser elaborado na própria formação do pomar, pela escolha das variedades que serão cultivadas, pela avaliação de sua adaptação às condições climáticas e pela tradição de cada território.”

Uma história curta, mas já com duas ondas de plantio

Arbequina, arbosana, grappolo, maria da fé, koroneiki, coratina e uma variedade desconhecida, que aqui apelidamos “bicudinha”, pois nenhum especialista chegou ainda a um acordo sobre sua classificação: esses são os cultivares presentes nos pomares de OLIQ, seja na fazenda São José do Coimbra, seja na Santo Antônio do Bugre.

São variedades que se adaptaram bem às condições do solo e do clima da região da Mantiqueira, de acordo com investigações da Fazenda Experimental da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), órgão ligado ao estado de Minas, em Maria da Fé (MG).

Embora as pesquisas da Epamig tenham se iniciado no começo dos anos 2000, as experiências de cultivo de oliveiras na região da Mantiqueira paulista e mineira datam dos anos 1930, por imigrantes portugueses. Há notícias de pomares em Maria da Fé, em Paraisópolis (ambas em Minas), e em Campos do Jordão e São Bento do Sapucaí (ambas em São Paulo). Ao que tudo indica, as principais variedades cultivadas então eram as portuguesas negroa e galega. Das variedades plantadas nessa época, teria a primeira variedade mantiqueirense: a maria da fé.

A história do cultivo de oliveiras na região da Mantiqueira possui, assim, duas ondas. Uma primeira – de cerca dos anos 1930 a perto de 1970 – se organiza em torno do plantio de variedades portuguesas e se extingue em razão de limitações tecnológicas, da ausências de unidades de extração de azeite e, especialmente, da forte crença de que a cultura era imprópria às condições climáticas do País, mesmo na região da Mantiqueira. A segunda onda se organiza, sempre considerando a região da Serra da Mantiqueira, em torno das pesquisas desenvolvidas pela Epamig – que sempre contou com a Universidade Federal de Lavras como centro de pesquisa e de formação de pesquisadores – e, mais recentemente, do lado paulista, pelo Instituto Agronômico de Campinas e pela Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA).

Variedades de Oliveiras e Tipos de Azeite

Do mesmo modo como uma variedade ou casta de uva (cabernet, merlot, carménère, syraz) dá origem a vinhos com características distintas – aromas e sabores diferentes -, uma variedade de azeitona também dá origem a azeites com características distintas: um aroma herbáceo e frutado de determinado tipo; um sabor com determinados traços, com maior ou menor amargor, com picância mais ou menos pronunciada em outros tipos.

Maria da Fé

Segundo alguns, esse cultivar é uma variedade brasileira, proveniente da lusitana galega, plantada por um casal de portugueses em Maria da Fé nos anos 1930. Para outros, ela teria se originado em São Bento do Sapucaí, na fazenda da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. Para outros, ainda, apesar de algumas mudanças aparentes, ela continuaria sendo a mesma portuguesa, ou um cultivar de origem indeterminada, brasileiro, chamado Ropades 398. A pesquisa genética, porém, chega à conclusão de que se trata mesmo de uma brasileirinha: comparando 60 cultivares por meio de seus genótipos, apesar de inicialmente encontrar semelhanças entre a Maria da Fé e a Rodapes, a pesquisadora Aurinete Borges do Val chega à conclusão de que “as cultivares ‘Maria da Fé’ e ‘Rodapes 398’ são cultivares diferentes uma da outra” (p. 69). A conclusão é resultante de sua tese de doutorado, defendida na Universidade Federal de Lavras (“Caracterização genética de oliveira utilizando marcadores moleculares”), defendida em 2011. Num evento de degustação da Assoolive (Associação de Olivicultores dos Contrafortes da Mantiqueira), em 2012, o azeite monovarietal produzido com a brasileirinha foi o que mais encantou o espanhol Cesar Coliga Martinez, membro do Conselho Oleícola Internacional (COI). São os membros desse Conselho que, em painéis anuais de degustação, definem a classificação dos azeites europeus, juntamente com os resultados de análise química.

Grappolo

Assim como a maria da fé, a variedade se tornou típica da região da Mantiqueira. Adaptou-se bem aqui. Além disso, o sucessivo trabalho de seleção de variedades desenvolvido pela Fazenda Experimental da Epamig, em Maria da Fé, fez com que se desenvolvessem cultivares novos, identificados por um conjunto de números, já de origem nacional, e registrados pela Epamig.

A história desse cultivar começa na Comuna de Pistóia, na atual Itália, de onde se expandiu para toda a região da Toscana, onde Pistóia está localizada. Ao que indicam consultas a lagares italianos, a variedade parece ter caído em desuso na Itália, tornando-se típica da serra da Mantiqueira. Brinca-se, aqui, que ela é nossa “carmenère”.

Na Mantiqueira, os azeites arbequina e grappolo costumam andar juntos. O primeiro precisa do segundo para ganhar um pouco de pungência e durabilidade; o segundo precisa do primeiro para ganhar complexidade. Assim, mesmo os varietais desses cultivares recebem algum percentual do outro e muitas vezes dão origem a “blends” em que se procura a melhor combinação de um e de outro.

Aberquina

Talvez pela semelhança fonética com a palavra “arlequina” e pela flutuação das formas de pronúncia do R no Brasil, a variedade, na Mantiqueira, já ganhou um apelido: é a nossa ARRbeca, pronunciada assim, com muitos erres rolados. O apelido talvez se deva também à familiaridade com o cultivar: assim como em outros países do Novo Mundo, a arbequina é uma das primeiras variedades a serem cultivadas, dadas sua rusticidade e resistência.

A trajetória até o Brasil e a outros locais e países do Novo Mundo – Austrália, Chile, Argentina, Califórnia – começa provavelmente na cidade catalã de Arbec, de onde se expandiu para os pomares da Andaluzia.

Produz um azeite suave e delicado, bastante frutado e herbáceo, com menor amargor e picância. Sabe muitas vezes a grama verde, a tomate, banana e maçã, dependendo da região de cultivo e do ponto de maturação em que os frutos foram colhidos. Apesar de sua maior delicadeza, é uma variedade que dá origem a um azeite de grande complexidade. Embora muitos especialistas e formadores de opinião no mundo do azeite prefiram hoje azeites mais fortes e pungentes: alguns “eleiólogos”, “azeitólogos”, “elaiólogos”, “catadores” e provadores de azeites (não existe uma palavra dicionarizada nos dicionários brasileiros para esse designar esses profissionais) costumam valorizar hoje os óleos com maior amargor e picância; nutricionistas e profissionais da saúde também tendem a valorizar esses óleos fortes, porque esses dois traços – amargor e picância – são indicadores da maior ou menor presença de polifenóis no azeite. Como pesquisas mostram uma associação entre os polifenóis e a redução do risco de doenças cardiovasculares e mesmo – com maior grau de incerteza – cancerígenas, os óleos “fortes”, se tornaram, para muitos, a própria definição de um bom azeite.

Mas os azeites arbequina estão aí para mostrar que o complexo é muitas vezes, para os que sabem apreciar, melhor que o “forte” e que o prazer também é uma boa fonte de saúde.

Koroneiki

Sófocles, Aristóteles, Alexandre, Epicuro, Ulisses: escolha seu herói grego, sua paisagem preferida, suas lembranças de leitura e viagens. Elas virão todas ao provar um varietal koroneiki. Afinal, essa variedade começou a ser cultivada a mais de 3.000 mil a.C. anos no Peloponeso, no território da atual Grécia, até se tornar a variedade por excelência dos pomares gregos, constituindo cerca de 50 a 60% de seus pomares.

É um cultivar bastante rústico. Talvez por isso, depois da arbequina e da arbosana, seja uma das variedades mais cultivadas em todo o mundo. Mas, além disso, seu azeite é especial e tende a se diferenciar bastante dos demais.

Colhidas ainda mais verdes, como na Mantiqueira, seu óleo é fortemente aromático e complexo, muitas vezes com traços sutis de ervas. Uma dado interessante para os produtores da Serra é o de que, segundo especialistas, em regiões montanhosas a koroneiki alcança seu melhor sabor e aroma.
Na Mantiqueira, esse aroma ganha notas de ervas frescas – dependendo da safra, o manjericão se torna bastante presente -, além de um frutado com traços de maçã e tomate. Possui um amargor maior, que lembra a chicória ou a escarola, e uma picância forte no início e ligeira ao final.

Coratina

Assim como a maria da fé, a variedade se tornou típica da região da Mantiqueira. Adaptou-se bem aqui. Além disso, o sucessivo trabalho de seleção de variedades desenvolvido pela Fazenda Experimental da Epamig, em Maria da Fé, fez com que se desenvolvessem cultivares novos, identificados por um conjunto de números, já de origem nacional, e registrados pela Epamig.

A história desse cultivar começa na Comuna de Pistóia, na atual Itália, de onde se expandiu para toda a região da Toscana, onde Pistóia está localizada. Ao que indicam consultas a lagares italianos, a variedade parece ter caído em desuso na Itália, tornando-se típica da serra da Mantiqueira. Brinca-se, aqui, que ela é nossa “carmenère”.

Na Mantiqueira, os azeites arbequina e grappolo costumam andar juntos. O primeiro precisa do segundo para ganhar um pouco de pungência e durabilidade; o segundo precisa do primeiro para ganhar complexidade. Assim, mesmo os varietais desses cultivares recebem algum percentual do outro e muitas vezes dão origem a “blends” em que se procura a melhor combinação de um e de outro.

Arbosana

É também da Catalunha de onde se origina a segunda variedade espanhola cultivada na Mantiqueira. Vem especificamente da Tarragona, de Penedès (uma região de DO – Denominação de Origem para vinhos). Seu nome vem provavelmente do município de l’Arboç.

A arbosana produz um azeite de intensidade média, frutado, com um toque de tomates maduros, boa picância e algum amargor, maior ou menor dependendo da região e do ponto de colheira. Dada sua média pungência, é um óleo bom para acompanhar pratos relativamente mais fortes.
Na Mantiqueira, seu cultivo foi iniciado posteriormente à dupla arbequina-grappolo. Por essa razão, ainda é raro encontrar varietais arbosana. Em geral, tem entrado na composição de “blends”.

Uma característica interessante da arbosa é que ela, nos olivais de OLIQ, é uma excelente polinizadora. Como a polinização da maior parte das oliveiras é cruzada, fazendo-se entre variedades distintas, é muito importante fazer boas combinações de cultivares.

A "bicudinha"

Ninguém sabe que variedade é, mas dá um azeite delicioso, pungente e complexo. Embora seu fruto seja parecido com o da koroneiki (daí seu apelido, por ter um formato “bicudo”), produz um fruto bem maior.

Sua história nas fazendas São José do Coimbra e Santo Antônio do Bugre começa quando Cristina Vicentin, sócia de OLIQ e proprietária da primeira fazenda, foi fazer seu primeiro pomar, no início dos anos 2000. Adquiriu mudas da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento de São Paulo, em São Bento Sapucaí. Na primeira safra notou que alguns dos pés e frutos possuíam características muito diferentes das variedades adquiridas. A hipótese – feita com técnicos da Cati – é de que se trata de mudas feitas com remanescentes dos antigos pomares da primeira onda da história de cultivo de oliveiras na região e que, infelizmente, foram a certa altura e mais recentemente, mesmo os da Cati, derrubados.

POR QUE PLANTAR TANTAS VARIEDADES NUM MESMO POMAR?

Um pomar de oliveiras precisa de variedades diferentes para que possa dar frutos. É que as oliveiras são plantas que, em geral, não se autopolinizam: uma variedade é polinizada por outra. Brincando: elas raramente se casam na mesma tribo; seus casamentos são quase sempre interculturais. Assim, para que uma arbosana dê frutos, precisa ser fertilizada por uma koroneiki, e assim sucessivamente.

A Mantiqueira: uma área de Denominação de Origem e um terroir?

Um azeite da Toscana, da Úmbria, de Creta. Um vinho de Bordeaux, do Douro, da Borgonha. Um queijo Canastra, do Serro, de Alagoa.

A denominação de origem é a designação atribuída em vários países aos produtos originários de uma região nela tradicionalmente produzidos. Suas características e, especialmente, sua qualidade se devem aos fatores naturais e humanos do meio geográfico, vale dizer, do território em que são produzidos.

Sem considerar todos os aspectos legais envolvidos na criação de uma “appellation d’origine”, é muito cedo para se falar de um “azeite da Mantiqueira” nesse sentido. São anos e anos de enraizamento de um cultivo num região que permitem fazer essa especialíssima integração entre um produto, seu modo de produção, as condições climáticas e topográficas da região e toda uma cultura que se desenvolve em torno desse cultivo: modos de fazer, de comer, de organizar o tempo e os ciclos do ano.

Se não podemos falar em denominação de origem, menos ainda podemos falar de terroir, mesmo com nossos erres rolados de mantiqueirenses. Um terroir é um espaço, no interior de uma região, que, ao longo de uma longa história de produção, mostrou-se especialmente capaz de gerar produtos de extrema qualidade. É o resultado de um difícil processo de interação entre cultura e natureza, que exigiu dos produtores um aguçado senso de observação para, pouco a pouco, safra a safra, “descobrir” que, num determinado lote de às vezes poucos hectares, uma determinada variedade – e não outra – produzia azeites ou vinhos excelentes; que, para que se tornassem excelentes, deveriam ser podados em certa época – e não outra -, de certo modo – e não outro. Que certos produtos poderiam auxiliar na frutificação, que certas plantas poderiam ser cultivadas conjuntamente; que a colheita deveria ser feita em determinada época e que a extração deveria levar em conta certos cuidados – e não outros. Um terroir é o fruto do trabalho de gerações e gerações de excelentes agricultores, de famílias de agricultores, porque resulta de um conhecimento adquirido precocemente, no interior da família, quase que de modo imperceptível, no trabalho cotidiano, na vivência dos problemas e nas conversas sobre safras passadas, problemas enfrentados, grandes dificuldades vividas, e grandes descobertas feitas por antepassados, pais, vizinhos.

A Mantiqueira: uma área de Denominação de Origem e um terroir?

Em muitos lugares do Brasil é possível plantar oliveiras. Elas crescem e vegetam muito bem; tornam-se árvores frondosas. O difícil é fazer com que deem frutos.

Na região Sudeste, para que frutifiquem, as oliveiras precisam ser plantadas em altitudes a partir de 1.000 metros. Só assim são expostas ao número de dias frios necessários para que o fenômeno da frutificação ocorra. Segundo os estudos, são necessárias cerca de 400 horas abaixo de 10o graus por ano. Outro ponto importante é que o clima seja relativamente ameno, não apresentando um intervalo muito grande entre a temperatura mais alta e a mais baixa.

É por isso que a Serra da Mantiqueira tornou-se, na região Sudeste, o principal centro de cultivo de oliveiras. Além disso, o regime climático tende a ser favorável por reproduzir certas características do clima mediterrâneo, ainda que de forma invertida: aqui os invernos são secos e com temperaturas mais baixas, e os verões são mais quentes e chuvosos.

É essa Serra que une os diferentes produtores que aqui se instalaram. São as características comuns desse território – que vai da região de Espirito Santo do Pinhal, em SP, até Barbacena, em Minas, passando pelo Rio de Janeiro – que fazem que os produtores enfrentem problemas e soluções parecidas. Não existe um azeite mineiro, não existe um azeite paulista, nem um fluminense. Existe um azeite da Mantiqueira, essa cadeia de montanhas que, utilizada para demarcar fronteiras, acabou por reunir paulistas, mineiros e fluminenses num cultura muito parecida.

Nossos pomares estão em altitudes que variam entre 1.200 a 1.600 m. Alcançam perto de 13.000 pés. São sempre consorciados com outra cultura. Em talhões menores, com culturas sazonais. Nos maiores, com pastos – afinal, quando chegamos aqui, todas as fazendas tinham como principal atividade a produção leiteira e de gado de corte. Como vacas são pouco delicadas para conviver com oliveiras, o principal uso dos pastos se faz para a criação de bezerras.